O ritmo cada vez mais modesto da atividade econômica do País, recentemente alimentado por nova queda dos níveis de confiança de empresários e consumidores e recuo do PIB (-0,2%) no 1º trimestre de 2019, tem afetado sobremaneira a extensão da jornada semanal de trabalho no Brasil. Nesse contexto, as projeções iniciais de crescimento da economia brasileira, em 2019, situavam-se na casa dos 2,5% e atualmente alcançaram a marca de apenas 1,2%, segundo o Boletim Focus do Banco Central, com algumas instituições já falando em 1%, reprisando os crescimentos pífios ocorridos em 2017 e 2018 (1,1%). No Ceará, o ritmo de crescimento reduziu à metade, de 1,87% para 1,01%, respectivamente.
Considerando a média de horas efetivamente trabalhadas na semana de referência em todos os trabalhos das pessoas de 14 anos ou mais de idade, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE, a jornada nacional de trabalho oscilou de 38,8 horas (1º trimestre de 2012) para 38,7 horas semanais (1º trimestre de 2014), antes da retração econômica de 2015/2016, diminuindo para 37,1 horas no mesmo período de 2019, uma redução de 4,1% nos últimos cinco anos, o equivalente a uma diminuição de quase duas horas semanais de trabalho. Essa trajetória começou a ser delineada no final de 2014.
No estado do Ceará, onde a redução foi um pouco mais forte (-5,3%) no mesmo período, as respectivas jornadas foram de 38,0, 37,7 e 35,7 horas, com a trajetória de queda iniciada nos primeiros meses de 2015, além de uma jornada inferior à média nacional, inferioridade essa que foi intensificada no trimestre até março de 2019, com a jornada semanal de trabalho também reduzida em duas horas. Ademais, a média de horas semanais trabalhadas no Ceará (35,7 horas) nos primeiros três meses do corrente ano foi a menor de toda a série histórica da PNADC, conforme Gráfico 1, e apresenta-se como a 8ª menor jornada de trabalho dos estados brasileiros, onde Goiás (39 horas), Rio de Janeiro (39 horas) e Santa Catarina (39,4 horas) registraram as jornadas mais longas.
Nessa conjuntura, a PNADC estimou um total de 429 mil pessoas de 14 anos ou mais de idade subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas no estado do Ceará nos dois últimos trimestres com informação disponível, um recorde histórico. No 1º trimestre de 2014, eram apenas 318 mil, o que significa dizer que o conjunto dos subocupados cresceu 34,9% em cinco anos, ou seja, o mercado de trabalho cearense ganhou 111 mil novos indivíduos que trabalharam menos de 40 horas semanais, mas que gostariam ou estariam dispostos a trabalhar por um período maior. De fato, o problema da subocupação no Ceará é bem mais grave posto que a taxa de subocupação por insuficiência de horas trabalhadas estadual é comumente mais expressiva que a média nacional em toda a série histórica da PNADC. Especificamente no 1º trimestre de 2019, a taxa cearense fora de 11,8% dos ocupados, bem superior aos 7,4% do indicador nacional, embora inferior à média do Nordeste (13,1%).
Retomando a análise das horas efetivamente trabalhadas, oportuno enfatizar que essa menor jornada de trabalho pode postergar ainda mais as novas contratações e, consequentemente, uma diminuição mais robusta do desemprego, posto que, quando do retorno do crescimento econômico, antes de contratar novos colaboradores, as estratégias empresariais deverão se voltar para a ampliação do número de horas semanais trabalhadas, com efeito imediato no nível de subutilização da força de trabalho.
A menor jornada de trabalho cearense frente à realidade nacional reflete a inferioridade da jornada laboral de homens e mulheres e em todos os níveis etários, especialmente nas faixas extremas, além do que, ao longo do período tomado para análise, a trajetória de queda ocorrera em todas as desagregações analisadas, o que ressalta a dimensão do problema.
Na abertura dos dados por sexo, declinaram as médias semanais de horas trabalhadas dos homens (de 39,4 para 37,4 horas) e das mulheres (de 35,3 para 33,4 horas), entre os 1º trimestres de 2014 e 2019, ou seja, ambos passaram a trabalhar, em média, duas horas a menos semanalmente, além do que homens e mulheres detêm jornadas médias abaixo dos respectivos indicadores nacionais, onde eles trabalharam em média 39,3 horas e elas, 34,3 horas, no 1º trimestre de 2019.
Por faixa etária, a redução da jornada trabalho cearense perpassou todas as faixas, especialmente as de 14 a 17 e de 60 anos ou mais, cujas jornadas registraram diminuições mais intensas de 13,0% e 9,0%, respectivamente, no citado período. No primeiro caso, de 26,9 para 23,4 horas e, no segundo, de 34,5 para 31,4 horas, respectivamente. Nos interstícios de 18 a 59 anos, a jornada média de trabalho encolhera de 5% a 6%.
Corroborando o fato de que no mercado de trabalho cearense os indivíduos ocupados laboram menos do que a média nacional, em todos os segmentos etários analisados, a jornada média de trabalho cearense é inferior ao resultado nacional, a exemplo do que ocorre na análise por sexo. Além do mais, um comportamento característico das horas trabalhadas é que ela se eleva com a idade até os 39 anos, para então declinar até o grupo de 60 anos ou mais, o que pode ser observado nos dados nacionais e, particularmente no Ceará, ilustrando que os detentores de jornadas mais extensas são aqueles com idade entre 25 e 39 anos, cuja diminuição foi de 38,8 para 36,9 horas semanais de trabalho, no caso cearense.
Na desagregação por posição na ocupação, houve decréscimo na média de horas efetivamente trabalhadas na semana de referência no trabalho principal das pessoas de 14 anos ou mais no Brasil e no Ceará, ilustrando uma vez mais a realidade concreta de uma jornada de trabalho mais curta, oriunda da estagnada atividade econômica do País, conforme detalhado a seguir.
Em termos relativos, as reduções no Ceará foram mais robustas que as verificadas no eixo nacional, independente da posição na ocupação, com exceção do trabalhador familiar auxiliar, cuja média semanal de horas trabalhadas cresceu ligeiramente de 26,1 para 27,0 horas entre os 1º trimestres de 2014 e 2019. A média dos empregados decresceu de 38,2 para 36,3 horas (-5,0%), a menor desde o 1º trimestre de 2012, entre os empregadores, ela declinou de 35,6 para 32,5 horas (-8,7%), uma das menores da série histórica, e o número médio de horas trabalhadas dos conta própria encolheu de 44,8 para 43,3 horas (-10,0%), no referido período.
Ademais, à exceção desses últimos, onde houve uma maior convergência das jornadas semanais de trabalho no Brasil (43,4 horas) e no Ceará (43,3 horas) no trimestre até março de 2019, as jornadas médias dos empregados, empregadores e trabalhadores familiares cearenses usualmente são menores que as verificadas no País. E mais, os números evidenciam que os conta própria possuem a jornada de trabalho mais extensa, quer no Brasil ou no Ceará. Nesse caso, atendo-se ao trabalho principal, eles trabalharam efetivamente oito horas a mais que o cearense médio (35,2 horas).
Em síntese, as estatísticas sobre a jornada semanal de trabalho publicizadas pelo IBGE mostram de forma inequívoca os danos causados por anos de uma lenta retomada da atividade econômica sobre o mercado de trabalho, desta feita ampliando mais recentemente os níveis de subutilização da força de trabalho, que alcançaram recordes históricos, especialmente nas economias menos estruturadas e dinâmicas como a do estado do Ceará, cuja média de horas efetivamente trabalhadas é comumente menor que a média nacional, além de apresentar trajetória de queda consistente e generalizada desde 2015, penalizando diversos segmentos de trabalhadores.
*Por Mardônio Costa
Analista do Mercado de Trabalho do IDT