A INFORMALIDADE COMO SUSTENTÁCULO DO NÍVEL OCUPACIONAL NOS ANOS RECENTES

Por: Mardônio Costa
14/06/2019


Não é novidade nenhuma que o nível de ocupação não está ainda mais baixo em decorrência do avanço das atividades ditas informais, que têm se apresentado como uma alternativa de trabalho e renda para um número significativo de trabalhadores, em face de uma conjuntura econômica com crescimento irrisório, uma economia praticamente estagnada, o emprego com carteira de trabalho assinada há muito sem registro de expansão, taxa de desemprego e número de desempregados em patamares elevados, especialmente nos estados da região Nordeste. Aliás, as ocupações da informalidade também contribuem para atenuar a elevação do nível de desemprego em uma economia com capacidade de geração de emprego bastante limitada, repercutindo os baixos níveis de investimento e consumo, além de rebaixar os rendimentos do trabalho. 

A título de ilustração, os números de empregos formais gerados no Ceará, em 2019, delineiam um comportamento recente muito volátil, com alternâncias de discretos saldos positivos, como em fevereiro (1.865 empregos) e abril (2.153), e saldos negativos duas vezes maiores, tais quais os de janeiro (-4.982 empregos) e março (-4.638), na série sem ajustes, o que resultou na perda de 5.625 vagas formais no acumulado até abril, na série com ajustes, de acordo com o CAGED. Isto ocorreu concomitante a existência de 467 mil desempregados no estado, no 1º trimestre do ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE.  

Na aferição do patamar de informalidade nos mercados de trabalho do País e do estado do Ceará serão consideradas as seguintes categorias de trabalhadores: empregado do setor privado (exclusive o trabalhador doméstico) sem carteira assinada, trabalhador doméstico sem carteira assinada, empregador sem CNPJ, conta própria sem CNPJ e trabalhador familiar auxiliar, conforme conceituadas na PNADC.

Com base nessa conceituação, o nível de informalidade do mercado de trabalho nacional, como fração da ocupação total, manteve relativa estabilidade nos últimos doze meses ao oscilar de 40,5% (36,6 milhões de ocupados), no trimestre de janeiro a março de 2018, para 40,8% (37,5 milhões), em igual período de 2019, as taxas mais elevadas para o 1º trimestre desde 2016 (38,7%). No Ceará, o nível de informalidade das relações laborais é mais expressivo, embora tenha variado negativamente de 56,1% para 55,1%, no mesmo período, mantendo os 2,0 milhões de pessoas trabalhando informalmente e registrando também as taxas mais elevadas para o 1º trimestre desde 2016 (53,5%).

Os números analisados mostram que, nos últimos doze meses, o grau de informalidade basicamente não recuou em ambos os casos (Brasil e Ceará) e que o trabalhador cearense tem uma propensão bem maior de trabalhar informalmente que o brasileiro médio, com chance 35% maior no 1º trimestre desse ano. Na verdade, o grau de informalidade no Ceará é o quinto mais elevado dentre os estados nacionais.

Para viabilizar uma apreensão mais consistente da evolução da informalidade desde o final de 2015 (primeiro trimestre com informação mais desagregada disponível), quando o mercado de trabalho fora penalizado pela recessão econômica, as atividades informais já contemplavam 38,7% dos ocupados do País no 4º trimestre daquele ano, alcançando 40,8% quatro anos após. No Ceará, elas evoluíram de 54,1% para 55,1%, respectivamente, o que ratifica afirmação anterior sobre o avanço e a relevância das ocupações informais para o nível ocupacional nas esferas nacional e estadual.

Na abertura dos dados por posição na ocupação para o trimestre até março de 2019, percebe-se que o crescente nível de informalidade no Ceará tem sido motivado notoriamente pelo crescimento dos conta própria sem CNPJ e dos empregados do setor privado (exclusive o trabalhador doméstico) sem carteira assinada. Os conta própria sem CNPJ (45,9%, ou 916 mil) integram o maior subconjunto dos trabalhadores informais do estado, seguidos pelos empregados do setor privado (exclusive o trabalhador doméstico) sem carteira assinada (33,1%, ou 661 mil), de onde se conclui que de cada dez cearenses trabalhando na informalidade oito são assalariados sem registro em carteira ou trabalhadores por conta própria.

Essa composição praticamente não foi alterada diante da realidade do mesmo trimestre de 2018, o que aponta para um momento muito propício para o fortalecimento das políticas públicas do trabalho focadas no profissional autônomo, especialmente com a disponibilização recente da estrutura do Centro de Formação e Inserção Social pelo Trabalho (CEFIT) à sociedade, pelo governo estadual. Raciocínio análogo se aplica também ao empregado doméstico, como se percebe a seguir.

No prazo de um ano até março de 2019, as contribuições positivas para a manutenção da alta informalidade no Ceará provieram do crescimento do emprego doméstico sem carteira (11,1%), do trabalhador familiar auxiliar (4,4%) e do empregado do setor privado sem carteira (3,1%), o que fora atenuado pelas quedas entre os empregadores sem CNPJ (-14,7%) e os conta própria sem CNPJ (-3,3%).

Embora os empregados domésticos sem carteira assinada respondam por apenas 12,3% das atividades informais do estado, eles alcançaram novo recorde, com 245 mil profissionais no 1º trimestre do ano, explicitando que 86,3% dos empregados domésticos cearenses trabalhavam sem registro em carteira. A demanda por esse profissional no Ceará vem aumentando desde o 2º trimestre de 2018 e hoje são 18,9% a mais do que eram no 1º trimestre de 2014 (206 mil), repercutindo inclusive a crescente dificuldade de obtenção de uma colocação na iniciativa privada.



De fato, invertendo a trajetória de expansão observada até o 2º trimestre de 2014, o emprego privado com carteira assinada se retrai de forma consistente até o 1º trimestre de 2016 e mostra-se em relativa estabilidade nos últimos três trimestres (Gráfico 1). No 1º trimestre de 2019, quando eram 917 mil, o total de assalariados do setor privado com registro em carteira era 4,3% menor que o do mesmo trimestre de 2014 (958 mil) e retrocedeu ao nível do 1º trimestre de 2013 (916 mil). Assim, a economia cearense ainda não conseguiu repor o contingente de antes da crise.

Atentar para o fato de que, após os primeiros meses da crise econômica em 2015, o número de trabalhadores por conta própria já ultrapassara o de empregados do setor privado com carteira assinada desde o 2º trimestre, como ilustrado no Gráfico 1, além do que, em contraponto ao declínio do número de empregados da iniciativa privada sem carteira assinada até o 1º trimestre de 2016 (586 mil), este volta a crescer, alcançando o segundo maior valor da série histórica (689 mil) no final de 2018. No 1º trimestre de 2019 (661 mil), eles eram 3,8% mais numerosos que no mesmo trimestre de 2014.

Nessas poucas linhas, objetivou-se trazer à tona a temática da qualidade do emprego gerado no mercado de trabalho do País, com enfoque mais voltado à realidade cearense, em virtude do avanço continuado das ocupações ditas informais nos anos recentes, onde se destacaram as crescentes participações relativas dos conta própria e dos empregados do setor privado (exclusive o trabalhador doméstico) sem carteira assinada e o número recorde de empregados domésticos sem registro em carteira,  realidade que tem seus prós e contras e que impacta nas condições de vida do trabalhador, nas suas perspectivas profissionais futuras, especialmente entre os mais jovens, em uma conjuntura de oferta muito limitada de emprego.

*Por Mardônio Costa
Analista do Mercado de Trabalho do IDT