A DINÂMICA DO MERCADO DE TRABALHO CEARENSE

Por: Mardônio Costa
01/03/2019

As considerações a seguir objetivam detectar possíveis alterações acontecidas no mercado de trabalho do estado Ceará em 2018, diante do quadro observado em 2014, após os severos impactos negativos da robusta retração da atividade econômica do País ocorrida especialmente nos anos de 2015 e 2016. Assim, busca-se averiguar até que ponto o mercado de trabalho cearense se recuperou desses impactos recessivos, tomando-se para análise alguns dos principais indicadores gerados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE.

Entre os anos de 2014 e 2018, considerando as médias anuais dos indicadores trimestrais, a população economicamente ativa de 14 anos ou mais de idade do estado do Ceará cresceu 7,4%, de 3,8 para 4,1 milhões de trabalhadores, portanto a força de trabalho efetiva cearense foi acrescida de 281 mil trabalhadores. Por sua vez, o número de pessoas ocupadas avançou apenas 2,8%, de 3,5 para 3,6 milhões de indivíduos, o que fora insuficiente para repor o nível de ocupação de 2014 (50,3%), mesmo porque 49,4% da população de 14 anos ou mais de idade estava ocupada em 2018, de outra forma, o nível de ocupação de 2018 ainda não recuperou o nível de ocupação de antes da crise. 

Já o contingente de desempregados cresceu substanciais 65,6%, ao passar de 278 mil, em 2014, para 461 mil desempregados, em 2018, isto é, o Ceará ganhou, em média, 183 mil novos desempregados em apenas quatro anos, uma evidência por demais concreta do forte impacto da recessão econômica de 2015/2016 sobre o mercado de trabalho do estado. 

Ademais, o contingente de pessoas de 14 anos ou mais de idade que ficaram fora da força de trabalho cresceu ligeiramente para 3,2 milhões de pessoas, um crescimento relativo de 1,5% no referido período (mais 47 mil). Assim sendo, pode-se inferir que o contingente de desempregados poderia ter sido ainda maior caso não tivesse ocorrido a saída de mais pessoas do mercado de trabalho, uma vez que elas suspenderam as buscas por uma colocação nesse mercado, atenuando um pouco o crescimento da taxa de desemprego estadual. Ainda assim, esta cresceu de 7,4% para 11,3% da população economicamente ativa, acompanhando a trajetória nacional, onde a referida taxa evoluiu de 6,8% para 12,3%, entre os anos de 2014 e 2018, valores que deixam transparecer que o Ceará tem registrado patamares de desemprego não muito diferentes do verificado em âmbito nacional, mesmo que a taxa cearense tenha sido 1 ponto percentual (p.p) abaixo da média nacional, em 2018.

Deve-se ressaltar ainda que a taxa de desemprego cearense de 2018 (11,3%), embora ainda bem superior a de 2014 (7,4%), é a menor dos últimos três anos, posto que ocorreram taxas médias anuais de desemprego de 12,0%, em 2016, e de 12,6%, em 2017, que constituíram recordes históricos. Esta queda possivelmente está a sinalizar que o pior da crise do emprego no estado já passou, com o desemprego assumindo uma trajetória de queda, mesmo que muito modestamente, embora outros indicadores apontem para uma realidade ainda preocupante e precária do mercado de trabalho local.

Para um diagnóstico mais consistente, outros indicadores devem ser investigados, como, por exemplo, a evolução do grau de informalidade do mercado de trabalho estadual, que explicita a qualidade do emprego que é gerado, mesmo porque, mais recentemente, foram as atividades informais que deram sustentáculo ao nível de ocupação no Ceará.

Considerando como integrantes desse mercado os assalariados do setor privado sem carteira de trabalho assinada, os trabalhadores domésticos sem registro em carteira, os empregadores sem CNPJ, os conta própria também sem CNPJ e os trabalhadores familiares auxiliares, chega-se a um total de 2,0 milhões de trabalhadores, o que pode ser traduzido em uma taxa de informalidade de 55,7% dos ocupados, no último trimestre de 2018. Esta realidade não foi alterada nos últimos 12 meses, pois os trabalhadores informais no Ceará foram estimados também em 2,0 milhões de indivíduos, o equivalente a 55,2% dos ocupados, no trimestre até dezembro de 2017. De forma análoga, em termos médios anuais de 2018, a taxa de informalidade no mercado de trabalho cearense foi estimada em 55,3%, arrolando 2 milhões de trabalhadores.

Os integrantes mais expressivos dessa informalidade são os assalariados do setor privado sem carteira de trabalho assinada e os trabalhadores por conta própria sem CNPJ, com representações de 33,1% e 46,6% desse universo, em 2018. O primeiro grupo totalizou 661 mil empregados, tendo recuperado o patamar de 2014 (653 mil), e o segundo, 929 mil trabalhadores autônomos. Desta forma, oito de cada dez trabalhadores cearenses na informalidade são empregados do setor privado sem carteira de trabalho assinada ou trabalhadores por conta própria sem CNPJ.       

De fato, o emprego assalariado com registro em carteira não evoluiu favoravelmente no mercado de trabalho cearense nos anos mais recentes, tal qual o verificado na esfera nacional, repercutindo o lento ritmo de recuperação da atividade econômica e o grau de incerteza dos agentes econômicos, que sustou os investimentos. Eram 980 mil em 2014, com decréscimo para 909 mil em 2018, totalizando a extinção de 71 mil empregos com registro em carteira no setor privado do estado, o que foi atenuado pela ampliação das oportunidades de trabalho como empregado do setor privado sem carteira de trabalho assinada ou trabalhador por conta própria sem CNPJ. Sem sombra de dúvida, as oportunidades de trabalho por conta própria (com e sem CNPJ) no estado aumentaram em 6,8%, nos cinco anos em apreço, passando de 979 mil para 1.046 mil trabalhadores, respectivamente.          

No recorte por agrupamento de atividade do trabalho principal, o avanço de 2,8% no número de pessoas ocupadas no Ceará, entre 2014 e 2018, repercutiu movimentos diferenciados. Em agrupamentos como a agropecuária, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (-12,1%, ou 56 mil vagas a menos), indústria de transformação (-10,2%, ou 46 mil empregos extintos) e construção (-18,3%, ou 55 mil empregos destruídos), encolheu a oferta de oportunidades de trabalho. No outro extremo, ocorreram aumentos importantes nos agrupamentos de alojamento e alimentação (32,3%, ou 59 mil vagas adicionais), transporte, armazenagem e correios (19,4%, ou 23 mil novas vagas), administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais (14,9%, ou 78 novas ocupações), para destacar os mais relevantes.

Embora o número de pessoas ocupadas tenha registrado algum incremento e o desemprego parado de aumentar, o desemprego de longa duração e o nível de subutilização da força de trabalho ainda se apresentam bem elevados no mercado de trabalho local. O desemprego de longa duração, que arrola os desempregados que estão em busca de trabalho há mais de um ano, aumentou de 31,9% para 33,5% dos desempregados cearenses, entre 2014 e 2018, o que incrementou o contingente de pessoas nessa condição de 88,8 mil para 154,5 mil, respectivamente. De outra forma, a lenta retomada da economia cearense dos últimos anos e a modesta melhora do emprego em 2018 adicionaram 65,7 mil trabalhadores ao desemprego de longa duração, onde 1/3 dos desempregados do estado está há mais de um ano em busca de uma colocação, o que pode complicar ainda mais o retorno destes profissionais às atividades laborais, posto que quanto mais longo o período de desemprego, mais difícil tem se mostrado a reinserção no mercado de trabalho.

O lado favorável dessas estatísticas é que elas revelam que o desemprego de longa duração no Ceará é um pouco menos abrangente que a média nacional, a qual cresceu de 33,7% para 39,7% no mesmo intervalo de tempo.   

Com referência ao nível de subutilização da força de trabalho, a taxa composta de subutilização, indicador que inclui os desempregados, os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e as pessoas da força de trabalho potencial, cresceu no País e no Ceará. Considerando as médias de 2014 e 2018, os avanços foram de 15,1% para 24,4% e de 22,6% para 29,7% da força de trabalho ampliada (força de trabalho efetiva acrescida da força de trabalho potencial), respectivamente, demonstrando que o nível de subutilização da força de trabalho cearense ultrapassa a média nacional, o que fora atenuado em 2018, posto que a diferença decresceu de 9,3 para 7,1 p.p. Nesse mesmo ano, 1,3 milhão de trabalhadores cearenses estava subutilizado (desempregados, subocupados por insuficiência de horas de trabalho ou inseridos na força de trabalho potencial).

No que concerne ao rendimento médio real habitual de todos os trabalhos das pessoas ocupadas no Ceará, este alcançou R$ 1.515 no quarto trimestre de 2018, não apresentando diferença estatística significativa diante dos rendimentos médios reais do trimestre anterior (R$ 1.535) e do mesmo trimestre do ano anterior (R$ 1.475), ilustrando uma realidade de relativa estabilidade do indicador, realidade esta observada na quase totalidade das desagregações por categorias do emprego no trabalho principal e grupamentos de atividade, com raríssimas exceções. Mas diante da média de rendimento de 2014 (R$ 1.440), houve um ganho real de 3,9% em 2018 (R$ 1.497).    

Diante dessa conjuntura, repercutindo a relativa estabilidade do número de pessoas ocupadas e do rendimento médio real habitual, a massa de rendimento real habitual de todos os trabalhos das pessoas ocupadas do último trimestre de 2018 (R$ 5,4 bilhões) também não registrou variação estatisticamente significativa no paralelo com o trimestre anterior (R$ 5,4 bilhões) e nem com o mesmo trimestre de 2017 (R$ 5,2 bilhões). Já entre 2014 e 2018, a massa de rendimento real habitual de todos os trabalhos no Ceará aumentou de R$ 4,8 bilhões para R$ 5,2 bilhões, o que corresponde a um incremento de 8,3%, adicionando R$ 400 milhões à massa salarial do estado nos últimos quatro anos.

Em síntese, o lento ritmo da atividade econômica fomentado por baixas taxas de investimento produtivo, ratificado pelo crescimento de apenas 1,1% do Produto Interno Bruto do País em 2017 e em 2018, tem imposto uma gradual e modesta recuperação do mercado de trabalho, expressa em um nível de ocupação que ainda não repôs o vigente em 2014, apesar de um contingente de ocupados mais numeroso, o que revela que o ritmo de crescimento da população ocupada estadual não acompanhou o da população em idade ativa, o que se refletiu em substancial elevação do desemprego, tanto em termos relativos quanto absolutos. Mesmo assim, o desemprego no Ceará apresentou ligeira redução ao longo de 2018, fechando o ano com 10,1% da população economicamente ativa desempregada (412 mil) no quarto trimestre.

Mas apenas o indicador de desemprego não dá conta das inúmeras especificidades de um mercado de trabalho tão heterogêneo. Os expressivos valores dos indicadores de informalidade, de subutilização da força de trabalho e do desemprego de longa duração delineiam mais claramente este quadro de precariedade do mercado de trabalho cearense dos últimos anos, apesar de alguma melhora registrada em 2018, dentre elas, o avanço da ocupação em agrupamentos de atividade específicos, taxa de desemprego ligeiramente em queda, embora ainda elevada, e os aumentos do rendimento médio real habitual e da massa salarial real dos ocupados no estado, que superaram os de 2014. 

*Por Mardônio Costa
Analista do Mercado de Trabalho do IDT